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Estudantes e especialistas avaliam primeiro mês do novo ensino médio em SC

Escola Estadual Básica (EEB) Dr. Jorge Lacerda em Joinville é uma das unidades com o novo formato de ensino em vigor(Foto: Patricia Bazzanella / Arquivo pessoal)

Neste ano, jovens de todo o Brasil passaram a frequentar o chamado “Novo Ensino Médio”. O modelo começou a ser aplicado em 7 de fevereiro nas 711 escolas da rede estadual de Santa Catarina que possuem turmas de Ensino Médio. O formato foi aprovado por lei em 2017, com o objetivo de tornar a etapa mais atrativa e evitar que os alunos abandonem os estudos. A reportagem do AN buscou estudantes, pais e especialistas para descobrir como tem sido a adaptação com as mudanças no ensino.

Em 2022, o novo ensino médio está sendo aplicado apenas aos alunos do primeiro ano. Conforme o cronograma definido pelo Ministério da Educação, o modelo vai se estender aos outros anos de forma progressiva. Em 2023, a implementação segue com o primeiro e segundo ano e, em 2024, o ciclo de implementação termina, com os três anos do ensino médio.

De acordo com o governo de SC, a modalidade conta com uma mudança significativa na carga horária mínima anual: passa de 800 horas para 1.000 horas. O estudante poderá ter seis ou até sete aulas em um período ou ainda ter um ou mais dias com período integral (matutino e vespertino). 

Essa definição varia de acordo com a determinação de cada escola, que precisou selecionar uma entre quatro opções de horário.

Um dos estudantes inseridos nesse modelo é o estudante Fernando Hoffmann, de 15 anos. O adolescente revela que gostou da mudança devido ao tempo maior destinado aos estudos.

A mãe de Fernando, Rosângela Hoffmann, 51 anos, afirma que a rotina do filho ficou mais puxada, mas acredita que o aprendizado vai ser maior.

– [Vai ter] influência nos horários diários. São horas de estudo que precisam ser conciliadas com o horário de lazer e descanso – comenta.

Além do maior tempo nas salas de aula, o Novo Ensino Médio dividiu o currículo entre uma parte de Formação Geral Básica (máximo de 1.800 mil horas nos três anos) e uma parte flexível (mínimo de 1.200 mil horas nos três anos), aponta a Secretaria da Educação do Estado (SED).

A Formação Geral Básica prevê quatro áreas do conhecimento: Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Ciências da Natureza e suas Tecnologias, Linguagens e suas Tecnologias e Matemática e suas Tecnologias. Em Santa Catarina, todos os componentes curriculares que antes eram desenvolvidos no modelo de disciplinas, como Língua Portuguesa, Geografia e Ciências, por exemplo, estão mantidos na matriz.

Itinerários formativos ajudam alunos a estudarem o que querem

Um dos diferenciais do Novo Ensino Médio são os “itinerários formativos“. No Estado, eles serão implementados através de quatro atividades escolares: Projeto de Vida, Segunda Língua Estrangeira, Componentes Curriculares Eletivos e Trilhas de Aprofundamento. Assim, os Itinerários Formativos se tornam um conjunto de disciplinas e projetos que envolvam áreas que sejam do interesse do aluno.

Projeto de Vida

O Projeto de Vida trata-se de uma experiência em que os estudantes tenham um período na escola toda semana para falar sobre o futuro. Conforme informações da SED, o objetivo é promover a participação dos jovens na construção de um percurso formativo que considere os próprios projetos de vida.

A doutora em Educação Jane Mery Richter Voigt acredita que a iniciativa é válida, mas questiona a forma com que o Projeto de Vida será aplicado. Ela também teme que a proposta se torne obsoleta com as mudanças no mercado de trabalho.

– A gente ouve falar que muitas profissões nem dão certo. Como que vai trabalhar com esse estudante um projeto de vida? Como é que ele vai vislumbrar alguma coisa lá na frente? A nossa proposta enquanto educadores deveria ser que o aluno possa se situar nesse tempo e espaço que ele está vivendo – crítica.

Segunda Língua Estrangeira

A parte flexível do currículo do Novo Ensino Médio terá uma segunda língua estrangeira. Segundo o governo estadual, o aluno pode escolher entre espanhol, alemão ou italiano. A iniciativa é ampliar o aprendizado de outros idiomas na escola. A novidade será oferecida com carga horária de duas horas semanais.

Trilhas de Aprofundamento

As Trilhas de Aprofundamento serão oferecidas a partir do 2ª ano do Ensino Médio. Elas representam áreas de conhecimento específicas para o aluno se aprofundar, e serão realizadas em 10 aulas semanais ou 15 aulas semanais, aponta o planejamento estadual. O estudante cursa em cada ano duas trilhas de sua escolha, entre as ofertadas pela escola.

Componentes Curriculares Eletivos

É um método de ensino que divide áreas como investigação científica, mediação e intervenção sociocultural, processos criativos e empreendedorismo. De acordo com a SED, nessa etapa, o estudante pode se aprofundar em disciplinas extracurriculares que tenha interesse, como: Cultura Digital, Pensamento Computacional, Educação Empreendedora, Matemática Financeira, Educação Fiscal, Prática em Libras, Jogos de Raciocínio Lógico Matemático, entre outros.

Diferente das trilhas de aprofundamento, os Componentes Curriculares Eletivos começam a ser aplicados desde o primeiro ano, quando o aluno pode escolher na matrícula a opção que esteja relacionada ao seu projeto de vida. Nesse modelo, o aluno pode optar por uma disciplina, e a cada semestre, ele pode escolher uma outra opção.

Estudantes assumem o protagonismo

A diretora da Escola Estadual Básica (EEB) Dr. Jorge Lacerda, de Joinville, Patricia Bazzanella, explica que uma das intenções dessa mudança é fazer o aluno assumir o protagonismo, cabendo ao professor o papel de mediar a troca de conhecimento entre os estudantes.

– Os professores têm que fazer o planejamento com um projeto que envolva questões que eles [os alunos] são protagonistas. O professor conversa com os alunos para ver de que forma esses componentes curriculares eletivos podem ser aplicados, como aquilo se relaciona com a visão do aluno.

Em 2022, o Novo Ensino Médio tem sido aplicado apenas para estudantes do primeiro ano (Foto: Patricia Bazzanella / Arquivo pessoal)

Fernando preferiu se especializar na área de Ciências da Natureza, pois se interessa muito por biologia.

– Acho interessante porque é um bom jeito para poder preparar as pessoas para o que elas querem. Poder ter uma opção, né? Meu irmão estudou e não tinha essa opção. Daí agora eu tenho, e consigo aprofundar mais nas áreas que eu gosto – alega.

A estudante Letícia Schmidt, de 15 anos, também preferiu ciências naturais, pois quer cursar enfermagem quando terminar o ensino médio. Letícia acredita que esse formato vai servir como ferramenta de autoconhecimento.

– Quando não tinha esse Novo Ensino Médio, muitas pessoas já desistiram no meio do caminho. E agora é muito legal porque [você] se aperfeiçoa naquilo que quer – afirma.

10 mil alunos pararam de frequentar a escola no ano passado

A observação de Letícia tem lógica. Somente em 2021, 10 mil estudantes abandonaram os estudos em Santa Catarina, segundo dados do governo do Estado. Ao analisar os casos, a Secretaria da Educação do Estado (SED) identificou que o ensino remoto, uma condição imposta pela pandemia, também teve influência no índice de abandono e evasão de estudantes da rede.

Essa realidade, porém, atinge todo o Brasil. Um levantamento feito em 2020 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que mais da metade dos adultos com 25 anos ou mais não concluiu o Ensino Médio.

Em setembro do ano passado, o governo de Santa Catarina anunciou a criação do programa Bolsa Estudante, para o investimento de R$ 375 milhões por ano, visando o auxílio financeiro aos alunos do Ensino Médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) matriculados na rede estadual de ensino.

Desigualdade pode comprometer a eficácia do Novo Ensino Médio

Entretanto, um dos problemas que dificultam a permanência do aluno é a desigualdade nas escolas. Com o Novo Ensino Médio, cada unidade vai ter autonomia para oferecer um itinerário formativo diferente para os alunos. Contudo, essa autonomia é regulada pelas estruturas das redes de ensino, aponta a doutora em educação Jane Mery Richter Voigt.

– Eu acho que a gente vai ter condições diferentes. O que vai fazer com que esses estudantes tenham formações diferentes. Uns vão ter mais acesso, outros vão ter menos acesso e com isso consequentemente vai aumentar essa desigualdade – explica.

Por meio de uma nota enviada à reportagem do AN, a SED comunicou que está equipando as unidades com materiais para os laboratórios de ciências, computadores para os laboratórios de tecnologia e tablets para uso dos alunos na sala de aula. Além disso, novos equipamentos estão sendo adquiridos para o Novo Ensino Médio, como Espaços Maker para todas as escolas, lousas digitais e projetores para cada sala de aula.

Entretanto, algumas dificuldades já estão sendo enfrentadas pelas escolas, como aponta a diretora da unidade em Joinville:

– A única dificuldade é que falta profissional da segunda língua estrangeira, a gente ainda não recebeu nenhum professor de espanhol – revelou a diretora Patrícia Bazzanella.

Mais de R$ 1 bilhão em investimento para as escolas

Conforme levantamento realizado pela SED, entre as dificuldades relatadas pelas equipes das escolas, a principal foi com os livros didáticos separados por área do conhecimento, em vez da tradicional divisão por componentes curriculares.

Além disso, dois problemas que estão afetando as redes de ensino são a adaptação e reorganização dos ambientes escolares que vão precisar ser feitas para atender a demanda deste novo modelo. Nesse caso, a maior dificuldade não são as aquisições, que estão em andamento, mas a demora de alguns fornecedores em entregar os materiais. A SED informou que tem mais de R$ 1 bilhão de investimentos em contratação, contudo, nem um terço ainda chegou às escolas.

Novo formato exige qualificação para os professores

Com a realização dos itinerários formativos, as disciplinas tradicionais perderam parte do espaço, o que consequentemente afetou a atividade de professores com formação nas áreas que tiveram a carga horária reduzida. Porém, para continuarem ensinando, os professores passaram por uma qualificação para se adaptarem aos moldes do Novo Ensino Médio.

– Num primeiro momento a gente ficou meio assustado, porque a gente tem algumas dúvidas. Eles [professores] têm medo de perder aulas, porque agora a gente trabalha com áreas, não trabalha mais com disciplinas. Eles ficaram com medo de perder a disciplina que eles escolheram na graduação. Mas está sendo mais tranquilo, pois eles são úteis nos componentes curriculares eletivos, por exemplo.

A SED informou que há uma formação em andamento para os professores sobre a implementação do Novo Ensino Médio, da qual milhares de docentes já foram certificados no ano passado. E nas próximas semanas, a secretaria pretende iniciar outra formação, aprofundando as mudanças do Novo Ensino Médio.


Fonte: NSC