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Entenda como vídeo da reunião ministerial pode influenciar investigação sobre Bolsonaro

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Divulgado nesta sexta-feira (22), o vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril mostrou grande preocupação de Jair Bolsonaro em ser destituído, tendo o presidente da República revelado, ainda, contar com um sistema de informação particular, alheio aos órgãos oficiais, reforçando as indicações de interferência política na Polícia Federal.

O encontro, recheado de palavrões, ameaças de prisão, morte, rupturas institucionais, xingamentos e ataques a governadores e integrantes do Supremo Tribunal Federal, foi tornado público em quase sua integralidade pelo ministro do STF Celso de Mello.

A gravação na reunião foi entregue pelo governo ao STF no inquérito que apura as acusações do ex-ministro Sergio Moro (Justiça), que deixou o governo acusando o chefe de tentar interferir politicamente na Polícia Federal.

O teor do vídeo e os depoimento em curso são decisivos para a PGR concluir se irá denunciar o presidente Jair Bolsonaro por corrupção passiva privilegiada, obstrução de Justiça e advocacia administrativa por tentar interferir na autonomia da Polícia Federal.

Ministros de Estado, delegados e uma deputada federal já prestaram depoimento no inquérito que investiga a veracidade das acusações do ex-juiz da Lava Jato contra o chefe do Executivo.

O objetivo é descobrir se as acusações do ex-ministro da Justiça contra Bolsonaro são verdadeiras ou, então, se o ex-juiz da Lava Jato pode ter cometido crimes caso tenha mentido. Na visão de Aras, oito delitos podem ter sido cometidos.

Após apuração da PF, a PGR avalia se haverá acusação contra Bolsonaro. Caso isso ocorra, esse pedido vai para a Câmara, que precisa autorizar sua continuidade, com voto de dois terços.

Em caso de autorização, a denúncia vai ao STF -que, se aceitar a abertura de ação penal, leva ao afastamento automático do presidente por 180 dias, até uma solução sobre a condenação ou não do investigado.

Leia, abaixo, perguntas e respostas para entender a investigação e o potencial do vídeo.

Qual a origem e o objetivo da investigação?

O inquérito foi aberto horas depois de Sergio Moro pedir demissão do Ministério da Justiça com acusações ao presidente Jair Bolsonaro. O objetivo da apuração é verificar se as afirmações do ex-ministro são verdadeiras ou se ele mentiu sobre o comportamento do chefe do Executivo.

Se não conseguir comprovar o que disse ao se despedir do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Moro poderá responder por denunciação caluniosa e crime contra honra. Caso contrário, Bolsonaro poderá ser denunciado pela PGR e, se o Congresso aprovar o prosseguimento das investigações, será afastado do cargo automaticamente por 180 dias.

Quais os possíveis crimes investigados?

No pedido de abertura de inquérito, o procurador-geral da República, Augusto Aras, citou oito crimes que podem ter sido cometidos: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, prevaricação, denunciação caluniosa e crime contra a honra. Nada impede, no entanto, que a investigação encontre outros crimes.

O que o vídeo acrescenta ao inquérito autorizado pelo Supremo?

Na reunião, em que participaram Bolsonaro, ministros (incluindo Moro) e o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, entre outros, o presidente diz que tem um sistema “particular” de informação que funciona bem, diferentemente dos órgãos oficiais, o que reforça bastante os indicativos de interferência na Polícia Federal para proteger familiares e amigos.

Bolsonaro pressiona seus ministros durante a reunião?

Sim, ele cobra de forma veemente lealdade de ministros, citando por diversas vezes as ameaças de que sofra impeachment, ameaça rupturas institucionais em relação a eventuais decisões de ministros do STF e defende que toda a população se arme para reagir a eventuais decisões de autoridades locais que ele considera serem ditatoriais.

Bolsonaro dá indícios de que possui uma rede privada de informações? Em certo momento da reunião, ele sugere isso: “Se reunindo de madrugada pra lá, pra cá. Sistemas de informações: o meu funciona. O meu, particular, funciona. Os ofi… que tem oficialmente, desinforma [sic]. Prefiro não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho”, afirma Bolsonaro, não deixando claro qual sistema privado seria esse.

Segundo interlocutores de Moro, a queixa de Bolsonaro era um ataque direto ao então titular da Justiça. O presidente teria requerido à equipe de Moro que levantasse dados de que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), havia se reunido com outras autoridades numa madrugada para tramar um processo de impeachment.

O então ministro disse a ele que o encontro não existiu. Diante disso, o presidente se irritou e disse que sua rede de informações privada era mais eficiente.

Como Bolsonaro explica essa declaração sobre sistema particular de informação?

A declaração de Bolsonaro nesta sexta (22) à noite à rádio Jovem Pan para tentar justificar o que seria seu sistema particular de informações foi considerada um tiro no pé por advogados criminalistas e ministros de cortes superiores.

Ele afirmou que policiais são as fontes dos dados que recebe justamente no momento em que autoridades investigam a denúncia de Paulo Marinho de que a família do presidente soube antecipadamente de uma operação da Polícia Federal por um vazamento. A avaliação é a de que a fala do presidente aumenta a suspeita em cima do caso.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, o empresário acusou Bolsonaro de ter recebido informação de um delegado da PF sobre investigações de Fabrício Queiroz, ex-assessor da família, entre o primeiro e o segundo turno da eleição, em 2018. A Folha de S.Paulo mostrou nesta semana que outro caso semelhante ocorreu em agosto do ano passado.

Bolsonaro fala diretamente em intervenção?

Na reunião, Bolsonaro confirma o interesse em intervir na polícia, mas também em outros órgãos do Executivo. Ele cita “PF” (sigla de Polícia Federal) num contexto de insatisfação com a falta de informações de inteligência. E a relaciona entre os órgãos que seriam objeto de sua interferência.

“A pessoa tem que entender. Se não quer entender, paciência, pô! E eu tenho o poder e vou interferir em todos os ministérios, sem exceção.”

A fala de Bolsonaro na reunião ministerial trouxe à tona de novo a desconfiança sobre um sistema de informação paralelo no governo?

Para investigadores, o principal ponto que confirma que Bolsonaro fazia referência à PF do Rio é o fato de ele ter mencionado “amigos” no contexto, o que não é de responsabilidade da segurança oferecida pelo GSI (Gabinete de Segurança Institucional).

A Folha de S.Paulo perguntou se a pasta cuida de algum amigo do presidente, mas não houve resposta.

Em agosto de 2019, Bolsonaro se irritou com uma investigação no Rio em que apareceu um homônimo de Hélio Negão, que é seu aliado. O presidente e Sergio Moro sustentavam que havia uma fraude, mas o Ministério Público disse que não viu problema no inquérito.

Qual o interesse de Bolsonaro na Superintedência da Polícia Federal no Rio de Janeiro?

O presidente até agora não explicou. Ele nega interferência, nas tentou forçar a substituição do chefe do órgão no estado quatro vezes em menos de um ano e meio. Segundo o ex-juiz Sergio Moro, o presidente fez pressões pela mudança em agosto de 2019 e em janeiro, março e abril deste ano.

A preocupação com investigações, desconhecimento sobre processos, síndrome de perseguição, inimigos políticos e fake news são alguns dos principais pontos elencados por pessoas ouvidas pela Folha de S.Paulo para tentar desvendar o que há no Rio de interesse a Bolsonaro.

Qual pode ser o principal ponto do vídeo para o inquérito da PGR (Procuradoria-Geral da República)?

Durante a reunião, Bolsonaro se queixa, em tom irritado, da falta de dados dos órgãos de inteligência e de uma suposta perseguição a irmãos. Daí, faz uma declaração central para o inquérito que apura se ele tentou, de fato, interferir indevidamente na Polícia Federal, especialmente na superintendência da corporação no Rio.

“Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui. E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”, bradou o presidente.

Em depoimento, Moro afirmou que Bolsonaro se referia, naquele contexto, à mudança em alguns postos-chave da PF, ante sua preocupação com apurações em curso. O presidente sustenta, contudo, que sua fala era a respeito da troca de equipes do Gabinete de Segurança Institucional, responsáveis por proteger seus familiares, versão que se enfraquece mais ainda com a divulgação do vídeo da reunião.

Dois dias depois do encontro com os ministros no Palácio do Planalto, o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, foi demitido por Bolsonaro. O primeiro ato da nova gestão do órgão foi trocar o superintendente da corporação no Rio.

Qual a reação do Supremo diante da divulgação do vídeo?

O vídeo da reunião frustrou uma parte da oposição a ele, que esperava assistir a cenas piores do que as que foram mostradas na filmagem.

Segundo a coluna Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, políticos e magistrados críticos do presidente acreditam que o vídeo pode até render frutos a Bolsonaro, do ponto de vista popular, apesar dos palavrões -em especial quando ele levanta bandeiras caras ao bolsonarismo, como a do armamento.

Magistrados do STF também opinavam, num primeiro momento, que o vídeo não deve impulsionar as investigações contra Bolsonaro deflagradas com as acusações de Sergio Moro. O material, no entanto, pode chocar em alguns momentos e deverá ser amplamente usado pela oposição.

O tom ofensivo da reunião é replicado por ministros e auxiliares?

Sim. Abraham Weintraub (Educação), por exemplo, diz que, se dependesse dele, colocaria “esses vagabundos todos na cadeia”, em referência aos ministros do STF. Damares Alves (Família e Direitos Humanos) fala que sua pasta irá processar e pedir a prisão de governadores e prefeitos, que, segundo ela, estariam adotando ações arbitrárias no combate ao coronavírus.

O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, disse que se um policial prendesse sua filha por descumprimento das regras de distanciamento social, poderia “matar ou morrer”. “Que porra é essa? O cara vai pro camburão com a filha. Se fosse eu, ia pegar minhas quinze armas e… ia dar uma… eu ia se… eu ia morrer. Porque se a minha filha fosse pro camburão, eu ia matar ou morrer.”

Já Ricardo Salles (Meio Ambiente) propõe que o governo aproveite a crise sanitária para aprovar reformas infralegais, incluindo alterações ambientais. “Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas.”

Afinal, quais as consequências diretas do vídeo?

A divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril deve gerar novas frentes de investigação contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e ministros do governo.

A avaliação é de investigadores da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República (PGR), ouvidos reservadamente pela Folha de S.Paulo, que apontam os ataques do ministro da Educação, Abraham Weintraub, ao STF (Supremo Tribunal Federal) como uma causa inevitável de apuração.

Outro alvo deve ser o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Ele defendeu na reunião no Planalto que o governo federal aproveitasse a crise do novo coronavírus para aprovar reformas infralegais, incluindo alterações ambientais, sem o devido controle social.

Segundo pessoas ligadas às investigações, a existência de um sistema paralelo de informações, citado por Bolsonaro na reunião para cobrar ministros da área, deve gerar um filhote do inquérito que apura a intervenção do presidente na Polícia Federal apontada por Sergio Moro ao deixar o governo.

O propósito seria o de apurar se o mandatário recebia dados sigilosos de uma rede de informantes extraoficial, alheio a órgãos como a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), ou se contava com um aparato clandestino para espionar pessoas. “O meu [sistema] particular funciona. Os ofi… que tem oficialmente, desinforma [sic]”, disse o presidente na reunião.

Os investigadores avaliam ações na esfera civil contra ministros?

Sim. Um dos questionamentos seria contra as declarações do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. No vídeo, ele ressalta que é hora da edição de medidas de desregulamentação e simplificação, uma vez que os veículos de imprensa estão, neste momento, concentrados no combate à pandemia de Covid-19.

Desde quando se tem indícios da possível existência de um núcleo privado de inteligência a serviço do presidente?

Isso veio pela primeira vez à tona no ano passado na CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) das Fake News.

A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) afirmou que ouviu a história do ex-ministro Gustavo Bebianno, secretário-geral da Presidência no começo do governo. Bebbiano confirmou o relato no dia 2 de março em entrevista ao programa Roda Viva. Duas semanas depois, o ex-ministro morreu de infarto aos 56 anos.

Na reunião, Bolsonaro admite seus canais privados de informação ao reclamar que não iria esperar “foder” a sua família ou amigos “de sacanagem”. “Prefiro não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho”, reclamou o presidente.

Quem irá definir se os relatos de Moro configuram uma ingerência passível de denúncia ou apenas o exercício de prerrogativas presidenciais?

Ao finalizar as apurações, a PF fará um relatório em que concluirá que ambos são inocentes ou, se for o contrário, indiciará os dois ou apenas um deles. Esse relatório policial será encaminhado à PGR, que não fica vinculada à conclusão da corporação. Ou seja, caberá a Aras analisar as provas e decidir se oferece ou não a denúncia.

Há prazo para a conclusão das investigações?

O Código de Processo Penal estabelece que inquéritos têm de ser concluídos em 30 dias ou em 10 dias se envolver réu preso. Esse prazo, no entanto, nunca é respeitado, inclusive nas investigações que correm perante o STF.

O despacho do ministro Celso de Mello obrigando a PF a ouvir Moro em até cinco dias, e não em 60 dias, como havia determinado inicialmente, é um indicativo de que o magistrado quer acelerar as apurações. Não dá para afirmar, porém, até quando elas se estenderão.

Quais podem ser as consequências a Bolsonaro nessa investigação?

O presidente pode ser denunciado pela PGR e, se a acusação for aceita por dois terços da Câmara dos Deputados, ele será afastado automaticamente do cargo por 180 dias, até uma solução sobre a condenação ou não do investigado. Caso o Legislativo barre o prosseguimento das investigações, o processo voltará a correr após ele deixar o mandato.

Fonte: Gaúcha ZH