Distanciamento social. Esta é a orientação estabelecida para os últimos meses, sem data para acabar. Muitas coisas mudaram, inclusive a forma como nos relacionamos com as pessoas que amamos – o contato físico teve de ser substituído por conversas a distância. A compreensão dessa nova realidade é difícil para a maioria de nós, que temos a clareza do que tem de ser feito para o “bem maior”. Mas e as crianças? Como fazer com que as conexões emocionais sejam mantidas, mesmo de longe?
Nossos vínculos afetivos iniciam antes mesmo de nascermos, na barriga de nossas mães. Após o nascimento não é diferente, os bebês se vinculam com aquelas pessoas que estão ligadas afetivamente com elas. “É muito natural as pessoas mudarem o tom de voz quando conversam com os bebês, que recebem bem essa voz e respondem rapidamente a estes estímulos. Isso já é um processo bem importante de vínculo e o início da construção de um apego seguro, que é fundamental para o bom desenvolvimento psíquico de uma criança”, afirma a psicóloga Cristiane Flôres Bortoncello.
Entendendo os vínculos
As crianças têm em média até os dois anos de idade para estabelecer o apego com pais, familiares e todos aqueles com quem têm proximidade. Conforme explica Cristiane, ele é dividido em processos:
- Pré-apego (do nascimento até 6-8 semanas): O bebê emite sinais inatos que atraem a atenção dos pais como chorar, rir, auxiliando no desenvolvimento do contato. Ele já reconhece a voz da mãe e de algumas outras pessoas próximas, seu cheiro e face, porém ainda não estão necessariamente apegados à ela, geralmente não apresentando reações ao serem deixados com outros adultos;
- Formação do apego (6-8 semanas até 6-8 meses): Neste estágio, o bebê passa a responder de forma mais específica à figura materna, sorrindo mais e sendo tranquilizado por ela também. Aprendem que suas ações afetam o comportamento das pessoas e iniciam o desenvolvimento de um senso de segurança (afetivo), ou seja, de que o cuidador irá atendê-la quando necessário. Ainda não protesta fortemente quando separado da mãe;
- Definição (6-8 meses até 18-24 meses): O sistema de apego já está desenvolvido e o bebê passa a apresentar ansiedade de separação quando o cuidador não está presente, bem como ansiedade na presença de estranhos. Reagem com mais ansiedade, pois entendem que a mãe está presente em algum outro lugar e então emitem sinais para tê-la por perto. Quando a cuidadora está por perto, agarram-se à ela, mais do que a outras pessoas;
- Relação recíproca (18-24 meses em diante): O bebê começa a entender melhor os fatores que influenciam a ida e vinda da mãe e tenta influenciá-los. Há uma diminuição dos protestos na separação. A figura materna é concebida de um modo mais independente, com uma determina previsibilidade no tempo e no espaço. A visão de mundo torna-se mais sofisticada bem como os mecanismos que usa para influenciar o comportamento da figura cuidadora.
Estratégias para manter os vínculos
Para as crianças, é mais difícil do que para os demais estar afastado de quem se tem afeto. Cristiane explica que o protesto da criança diante da falta do cuidador demonstra que ela percebe quando ele não está, e por isso busca recursos internos para dar conta deste afastamento. “É muito saudável esse protesto, para que a aliança entre o cuidador e a criança se restabeleça. Nesse sentido, o distanciamento pode prejudicar, caso osfamiliares fiquem sem nenhum contato com a criança, nem mesmo via chamadas de vídeo, pois a ela fica com a perda e sem a compreensão do que aconteceu”, esclare ce.
As crianças, principalmente as de menor idade, não têm o mesmo discernimento e compreensão dos adultos com relação às chamadas de vídeo, por exemplo. Porém, é cada vez mais comum o uso da tecnologia por este público, o que faz com que elas estejam cada vez mais familiarizadas com os materiais tecnológicos. “Acredito que muitas famílias já faziam o uso de chamadas por vídeo para conversar entre si e suas crianças e essa ampliação só traz novos aprendizados para a criança.
É preciso explicar à criança, que neste momento as coisas estão desta forma e que assim que possível, todos vão se reencontrar. As crianças também podem fazer cartinhas ou desenhos para as pessoas da qual tem saudade, isso ajuda muito a elaborar essa emoção e diminuir a ansiedade”, indica Cristiane. “O mais importante é conversar e falar com clareza e objetividade o que está acontecendo”, reforça.
Restabelecendo a conexão
Apesar da dificuldade que o momento traz, a psicóloga alerta que caso sejam perdidos, os vínculos afetivos podem ser recuperados, quando toda a situação passar. “Muitas pessoas têm históricos anteriores de abandono e sofrimento.
Não quer dizer que seja um processo fácil, pois algo que deveria ter sido construído no início se perdeu, mas falar de coração para coração é sempre uma bela forma de restabelecer os vínculos ou fazer novos vínculos afetivos. Se for uma criança, pergunte o que ela gostaria de receber de você, ou o que você poderia fazer para ela sentir-se amada por você”, indica.
“As pessoas também precisam aprender a dar aquilo que o outro gostaria de receber e não o que a gente pensou que seria o melhor, então a melhor estratégia é a comunicação com amor”, finaliza.
Fonte: Correio do Povo