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Crescimento da exploração do trabalho infantil é risco iminente durante pandemia

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Alerta é feito por campanha nacional neste 12 de junho, Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil

 

Diante da grande vulnerabilidade socioeconômica das famílias brasileiras, aprofundada pelos impactos da pandemia do novo coronavírus, o número de crianças exploradas pelo trabalho infantil pode aumentar no país.

A grave consequência é denunciada pela campanha nacional “Covid-19: agora mais do que nunca, protejam crianças e adolescentes do trabalho infantil”, protagonizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), pelo Fórum de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e pela Justiça do Trabalho, que acontece ao longo de todo o mês de junho.

Alinhada à iniciativa global proposta pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), a campanha também realiza uma série de eventos e ações online nesta sexta-feira (12), Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2016, mesmo proibido, o trabalho infantil no Brasil atinge mais de 2 milhões de meninos e meninas entre 5 e 17 anos.

Somente em 2019, das mais de 159 mil denúncias de violações a direitos humanos recebidas pelo Disque 100, cerca de 86 mil tinham como vítimas crianças e adolescentes. Conforme informações do Ministério da Ministério da Mulher, da Família e do Direitos Humanos,  mais de 4,2 mil desses registros eram relacionados ao trabalho ilegal de crianças e adolescentes.

Sabemos que quando a família está em vulnerabilidade socioeconômica, a criança sai pra trabalhar pra ajudar no aumento da renda familiar.

Segundo Ana Maria Villa Real, coordenadora nacional do Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente pelo MPT, a pobreza é a causa e a consequência do trabalho infantil. Logo, com os efeitos socioeconômicos da covid-19, como altos índices de desemprego e retração da economia como um todo, o cenário é desolador.

“As famílias que já eram pobres vão ficar ainda mais pobres. E sabemos que quando a família está em vulnerabilidade socioeconômica, a criança sai para trabalhar, para ajudar no aumento da renda familiar. Isso é muito evidente. Temos consciência que o Estado Mínimo que está se apregoando no Brasil não vai tratar a vulnerabilidade social e econômica das famílias, e vai gerar um aumento da existência do trabalho infantil”, afirma Villa Real.

Tema invisibilizado

A procuradora avalia que o trabalho infantil ainda é muito naturalizado no país, o que faz com que a prática desumana seja invisibilizada.

“O trabalho infantil é visto como uma solução para o pobre. ‘Ele precisa trabalhar pra ajudar a família’. Se subverte a lógica da proteção da Infância e da Adolescência. É a criança e não o Estado que tem que sustentar uma família em vulnerabilidade. A sociedade não consegue enxergar o trabalho infantil como uma violação de direitos humanos”, lamenta.

Números do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, evidenciam que o trabalho infantil é uma ameaça concreta à vida das crianças brasileiras.

O trabalho infantil é visto como uma solução para o pobre.

De 2007 a 2019, por exemplo, foram registrados 279 acidentes fatais entre crianças de 5 a 17 anos que estavam trabalhando ilegalmente. Durante o mesmo período, foram registrados 27.924 acidentes de trabalho considerado graves, com sequelas principalmente nas mãos, assim como nos membros superiores e inferiores.

Levantamento do MPT-SP indica ainda que na década entre 2009 e 2019, 13.591 crianças e adolescentes sofreram acidentes de trabalho graves no estado de São Paulo. Outros 35 perderam a vida trabalhando.

A maioria das vítimas trabalhava na informalidade, com destaque para área da construção civil, agricultura, trabalho domésticos e açougues, funções definidas pelo decreto 6.481/2008 como piores formas de trabalho infantil.

Desmonte

Isa Oliveira, secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), frisa que ao lado da desigualdade social estrutural do Brasil, nos últimos anos houve um fragilização das ações focadas na prevenção e erradicação do trabalho infantil, a exemplo do desmonte dos espaços que discutem estratégias coletivas para enfrentar o problema.

Entre elas, o fim da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (Conaeti), extinta em abril de 2019 por decreto de Jair Bolsonaro (sem partido). Com participação da sociedade civil, o órgão tinha como uma de suas principais atribuições o acompanhamento da execução do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, por ela elaborado em 2003.

“O que falta no Brasil, especialmente nesse momento, é a decisão política de priorizar à proteção à criança e ao adolescente para eliminar o trabalho infantil. Falta esse comprometimento, esse respeito ao que dispõe a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente”, critica Oliveira.

Para lidar com as consequências da pandemia, ela defende uma incidência política articulada da sociedade civil para que se destine recursos públicos e se tome medidas eficazes contra o agravamento da pobreza, como o fortalecimento de políticas assistenciais e de transferência de renda.

Villa Real endossa a critica ao governo. “Se tivéssemos uma comissão instituída como antes, poderia ter sido elaborado um plano de emergência para enfrentar a pandemia. Não existe nenhum plano de emergência, nem na assistência social e em nenhuma instância para enfrentar o trabalho infantil. E ninguém fala sobre isso. A desatenção do governo brasileiro com a questão é evidente”.

A criança e o adolescente tem o direito fundamental ao não trabalho. 

Outras medidas citadas pela promotora para combater o crescimento do trabalho infantil neste momento de crise é o fortalecimento da aderência escolar após a retomada das aulas. Conforme explica a coordenadora, crianças sem a formação adequada tornam-se adultos com má qualificação e sujeitos a empregos de baixa remuneração, perpetuando um ciclo de pobreza.

“A criança e o adolescente tem o direito fundamental ao não trabalho. Eles têm direito ao desenvolvimento pleno do ponto de vista social, cognitivo, biológico, moral, espiritual… A idade mínima de 16 anos no Brasil é pra que a criança possa concluir o ensino obrigatório e desenvolver-se plenamente”, declara, reforçando que a intervenção do Estado é essencial para combater a crise.

“O trabalho infantil tem cor”

A campanha nacional traz ainda dados que escancaram o  racismo: as crianças negras representam 62,7% da mão de obra precoce no país. Quando se trata de trabalho infantil doméstico, esse índice aumenta para 73,5%, sendo mais de 94% meninas.

Para dar ainda mais visibilidade à iniciativa dos órgãos fiscalizadores, o cantor e rapper Emicida gravou uma música especial em parceria com Drik Barbosa, no qual também alerta sobre os riscos do trabalho infantil

Lançada no último dia 9, a composição Sementes aborda as consequências estruturais nas vidas das crianças que trabalham ilegalmente e se reproduz como um manifesto em defesa da infância.

“É muito triste, muito cedo. É muito covarde cortar infâncias pela metade, pra ser um adulto, sem tumulto, não existe atalho. Em resumo: Crianças não têm trabalho”, diz a letra.

 

Citando o verso da música, “um baobá vira um bonsai, é só assim pra explicar”, Ana Maria Villa Real reforça a importância do combate ao trabalho infantil.

“É exatamente isso. Podar toda força de uma força de uma criança, tolhida de seu desenvolvimento pleno. É cortar os direitos fundamentais. É reduzir a força da criança a quase nada. Será uma adulto escravizado pela pobreza. A prioridade, como ele [Emicida] fala, é assegurar que elas cresçam e floresçam”.

 

Fonte: Brasil de Fato