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Coluna | Só um adendo | Isso lá são horas Seu Cupido?

Isso lá são horas Seu Cupido?

Meu avô, na sabedoria dos seus 83 anos, costumava responder quando perguntado sobre o que é o amor: “é uma flor roxa que nasce no coração dos trouxas”. O ditado sempre era seguido pelo olhar afiado de minha avó que, por detrás dos grossos óculos, os olhos ardiam pelo complemento que prontamente chegava: “e isso meu amor, me faz o maior dos trouxas”. Um riso sempre me alcança ao relembrar esses momentos já que hoje, em plena pandemia mundial, deixei que a famigerada flor roxa florescesse em meu coração. Seu Cupido, por obséquio me responda: eu sou trouxa?

Conheci a eleita em fevereiro deste ano. Logo eu, sempre tão reticente em questões românticas, não resisti aos encantos daquela risonha moça. Em março, tomei coragem e chamei ela para bater um papo, conversar sobre o dia e conhecer ela melhor. Já tinha segundas, terceiras e quartas intenções com a bela. Claro, que no início do ano tudo parecia promissor, afinal hoje é um novo dia de um novo tempo que começou. 

Certo? Não poderíamos estar mais errados. Todos os dias parecem velhos neste planeta que parou no tempo. No momento que iniciamos a jornada para desbravar esse sentimento inundante no peito, o Brasil parou. Por razões maiores, fomos separados e a distância que, inicialmente parecia assustadora, se tornou uma velha conhecida. 

Não é fácil combater a distância. É como conta-se no mito do titã Prometeu, defensor da humanidade que roubou o fogo da deusa Héstia para dar a raça humana.  Como castigo, Prometeu foi amarrado ao monte Cáucaso onde uma águia iria dilacerar seu fígado todos os dias durante 30 milênios. Acorrentado, o titã passava seus dias na tentativa de sobreviver a essa dor que jamais passava. Talvez essa seja minha tentativa de tentar explicar o que sinto: saudade. 

Termo somente existente na língua portuguesa, o sentimento de faltar algo ou alguém é universal. É aquela dor que jamais passa. Culpo o Cupido, culpo a pandemia, culpo a distância. Como sobreviver daqui? Pensando apaixonadamente, sei que existem muitos outros na mesma situação que eu: amando a distância. Ao observar essa particularidade, tenho cada vez mais certeza que foi essa a razão fundante do cinema romântico, cujo qual – admito – nunca fui fã assíduo. 

A ideia de passar horas vendo um amor impossível em cena me parecia nada aprazível até hoje. Hoje, me emociono vendo Jack afundar no oceano congelado, com a lista de 10 coisas que eu odeio em você, ao assistir a despedida em Casablanca aos dizeres de “nós sempre teremos Paris”. A realidade é que o gênero romântico no cinema se tornou inchado, onde temos muitos longas que seguem a mesma velha fórmula: início apaixonante, problemática insolucionável, seguida de resolução satisfatória aos moldes de “felizes para sempre”. 

Posso soar cético e amargurado, mas mesmo apaixonado essa fórmula não irá me conquistar. Portanto, vou recomendar a você caro leitor (a), três filmes que me ajudaram a aquecer o coração nesse momento pandêmico hediondo, mas que trilham seu próprio caminho e diferenciam-se pela originalidade. Eu diria únicos como meu amor, mas ela recusa imitações. 

Em Algum Lugar do Passado (1980):

Começo pelo início. Calma, deixa eu explicar. Esse longa estrelado por Christopher Reeve, Jane Seymour e Christopher Plummer, foi visto por meus pais durante seu namoro e talvez seja o responsável pelo crescimento da paixão em ambos. A verdade é que, mesmo desconhecido por muitos, é inegável sua doçura e originalidade. Estamos falando de um filme quarentenário, que já realizava uma mistura nada ortodoxa à época: romance e ficção científica, seria possível?

O filme demonstra em vários aspectos que sim. A começar pelo enredo simples e a questão central comumente realizada em filmes do gênero. Até onde você iria por amor? Se sua resposta é que voltaria seis décadas no tempo com o intuito de encontrar sua alma gêmea, então você entende perfeitamente a decisão do protagonista. 

Orquestrado magistralmente pela belíssima trilha sonora composta por John Barry, Em Algum Lugar do Passado possui o que muitos romances atuais perdem logo de cara: o filme reside em crivelidade. O roteiro é conciso a ponto de fazer-te comprar a ideia da viagem no tempo com a mesma certeza de que o sentimento entre o casal protagonista é real. A química gritante em cena é suficiente para fazer o público embarcar, torcer e se emocionar com esse romance impossível. 

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004):

O vanguardismo do filme predecessor na lista possibilitou o aparecimento desta obra prima quase 25 anos depois. Costumo dizer que Em Algum Lugar do Passado caminhou para que Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças pudesse voar. E que vôo impressionante. A começar pelo elenco sensacional, com destaque para Jim Carrey e Kate Winslet, ambos no melhor papel de suas carreiras, o filme possibilita uma imersão tão intensa quanto a relação dos protagonistas.

Em cena, uma odisseia pela mente humana que utiliza-se da perfeita dose de ficção científica para provar seu ponto. O longa demonstra que existem pessoas, únicas e marcantes, inundantes em todos os aspectos, que simplesmente se tornam inesquecíveis em nossas vidas. O término de algo não exatamente indica seu fim e é aqui que ocorre o genial mérito do roteiro vencedor do Oscar de 2005: a vida é repleta de pontos finais, mas existem pessoas que valem mais um parágrafo.

A busca por essa segunda chance permeia cada segundo do filme, que consegue emocionar pela verdade contida nas entrelinhas. Nenhum relacionamento é um mar de rosas, afinal como imperfeitos, buscamos apenas aquilo que está ao nosso alcance. Mas assim como o protagonista percebe quase tarde demais, não há tarde demais no amor.

Questão de Tempo (2013):

Pequenos momentos. É disso que a vida é feita. Não desmerecendo as grandes realizações de nossa vida, como graduações, promoções, festividades entre outros, mas no final é a rotina diária que irá fazer a diferença. A questão é: tem você aproveitado seus dias no presente ou vive pelo amanhã? Essa belíssima lição nos é ensinada de forma nada convencional neste longa de romance/ficção científica, estrelado por Domhnall Gleeson e Rachel McAdams.

No decorrer do filme, acompanhamos o amadurecimento de um jovem que descobre que a viagem no tempo é uma possibilidade real em sua vida. Centrado na jornada do protagonista, o roteiro acerta em cheio ao reconhecer a vida como ela é: cheia de dificuldades, onde o errar faz parte da vivência e a persistência é o ingrediente principal. Docemente conduzido, o longa permeia as diversas fases da vida e por consequência de seu relacionamento. A busca incessante por acertar de primeira é uma das principais causas da infelicidade do protagonista e de nossa própria. Mas o segredo, chegue mais perto vou lhe contar: não tem problema nenhum errar. Não é preciso viajar no tempo para descobrir o amor e o encantamento que a singularidade rotineira proporciona. Você só tem uma chance, aproveite a viagem.  

Sim, estou morrendo de saudades. Não me julgue por insistir, digo categoricamente que não é minha culpa. Esse pequeno anjo de fralda, acertou uma flecha carregada de dopamina, oxitocina, opióides e etcéteras, no meu despreparado coração. Refém de todos esses hormônios do amor, aqui estou vendo filmes de romance e me emocionando. De quem foi a ideia de presentear um bebê com um arco e flecha? Seja lá quem és, saiba que é o responsável pelos quatro meses de intensa felicidade que vivo com minha flor. Acho que isso me faz o maior dos trouxas.

 

Por Briann Ziarescki Moreira