Irmãos na direção
“Vivam juntos como irmãos e façam negócios como estranhos”. Este milenar ditado popular árabe faz sentido quando pensamos que é necessário certo grau de frieza entre as partes ao se realizar qualquer negócio, com o intuito de não cometer nenhum equívoco ou atitude precipitada. Afinal, a emoção é inimiga da razão, certo? Bem, como diria o ilustre Pedro Pedreira: “há controvérsias”.
O filósofo René Descartes defendeu a razão como único caminho de nossa existência, o que entra diretamente em atrito com nosso lado emocional. Essa díade conflituosa nos faz questionar as relações interpessoais, onde os sentimentos e o profissionalismo andam em direções opostas. Mas será mesmo?
Para toda regra há uma exceção e nesse caso onde nem há regra, exemplos não faltam de pessoas que acrescentaram uma boa dose emocional em suas profissões e obtiveram êxito. Em comemoração ao Dia dos Irmãos (05/09), trarei três pares de diretores que vivem juntos como irmãos e fazem negócios também como irmãos.
Irmãs Wachowski:
Lilly e Lana Wachowski são responsáveis por 12 produções cinematográficas, exercendo juntas as funções de diretoras, roteiristas e produtoras. Possuem no currículo longas como V de Vingança (2006), Speed Racer (2008) e a série Sense8 (2015 – 2018) pelo serviço de streaming Netflix. Mas a cereja do bolo fica com a trilogia que transformou o cinema: estamos falando dos incríveis Matrix (1999), Matrix Reloaded (2003) e Matrix Revolutions (2003).
Os longas protagonizados por Keanu Reeves são responsáveis por grande parte da popularização do estilo cyberpunk em âmbito mundial, devido sua estética futurista e a temática hacker presentes na trama. As Wachowski criaram todo um universo imaginativo repleto de alegorias religiosas e filosóficas, que possibilita ao público uma imersão tão intensa quanto as cenas de luta entre Neo e Morpheus.
Desde a paleta de cores esverdeada – como os códigos de programação – até o figurino repleto de couro, látex, longos casacos e óculos escuros, a trilogia Matrix é uma das mais aclamadas produções distópicas da história cinematográfica. Uma experiência tão poderosa que pode ser comparada a ingestão de uma famigerada pílula vermelha: é como adentrar ao País das Maravilhas e conhecer até onde vai a toca do coelho.
Irmãos Russo:
Anthony e Joe Russo são mestres em bilheteria. Os últimos quatro filmes da dupla lançados nos cinemas (Capitão América: O Soldado Invernal em 2014, Capitão América: Guerra Civil em 2016, Vingadores: Guerra Infinita em 2018, Vingadores: Ultimato em 2019), arrecadaram juntos mais de $ 6.711 bilhão. De quebra, o longa mais recente dos Irmãos Russo desbancou Avatar (2009), e se tornou a maior bilheteria da história.
Mas nem só de números vivem a dupla, afinal a estréia de ambos na direção vem do longínquo ano de 2002, com a comédia Tudo Por Um Segredo que foi um fracasso de bilheteria. Desde então, os diretores seguiram no gênero com a sitcom Caindo na Real em 2003 (que lhes rendeu um Emmy no ano seguinte), e o esquecível Dois é Bom, Três é Demais de 2006.
A transição para o cinema de herói fez muito bem à dupla, que alcançou aclamação por parte da crítica especializada em sua jornada pelo Universo Cinematográfico da Marvel. A conclusão da saga do infinito em Vingadores: Ultimato, obteve um índice de aprovação no site Rotten Tomatoes (referência em críticas) de 94%, o maior da carreira dos diretores.
O estilo de ação frenético – mas orquestrado – em conjunto de um controle preciso na direção, fizeram dos Irmãos Russo referência não somente no gênero de herói, mas em todo o cinema blockbuster. Impactantes, divertidos e principalmente satisfatórios: Anthony e Joe Russo são realmente os mestres em bilheteria da atualidade.
Irmãos Coen:
Ter quatro Óscares na prateleira não é para qualquer um. Agora imagine receber tudo isso em dose dupla? Os irmãos Joel e Ethan Coen receberam juntos oito estatuetas douradas da maior premiação do cinema mundial. A parceria de décadas da dupla iniciou-se efetivamente em 1984, e desde então os irmãos rodaram juntos 19 produções cinematográficas.
O primeiro grande sucesso da dupla é datado de 1991, com o longa de comédia Barton Fink – Delírios de Hollywood vencendo a Palma de Ouro no festival de Cannes. A partir de sua primeira vitória, os irmãos seguiram conquistando a crítica especializada com produções carregadas de humor ácido, que viriam a ser característica frequente dos filmes da dupla.
Foi com o longa Fargo (1994) que receberam juntos suas primeiras indicações ao Oscar, ganhando na categoria de melhor roteiro-original. Repleto de originalidade, os diretores trazem – na medida certa – cinismo e frieza, possibilitando ao público adentrar no universo Coen de intrigas sem nunca cair em território clichê. Tudo em cena é inédito, surpreendente, revigorante, ao mesmo tempo que clássico e atemporal.
O mesmo ocorre nas produções subsequentes da dupla, atingindo o ápice no impressionante Onde os Fracos Não Têm Vez de 2007, que rendeu três Óscares aos irmãos (melhor filme, direção e roteiro adaptado). A reinvenção presente neste filme, garantiu ao inchado e por vezes ultrapassado gênero do faroeste, um respiro satisfatório.
Trazê-lo a modernidade possibilitou aos diretores tratar de temáticas como falência, ganância e velhice, sob o olhar cético da sociedade atual. Aqui, o mais cruel ato de psicopatia é mostrado sob a mesma visão que o simples degustar de um copo de leite pode causar. É cínico, é único, é genial. É Irmãos Coen, senhoras e senhores.
Realmente “fazer negócios como estranhos”, não funcionou para essas duplas. Ainda bem! Feliz Dia dos Irmãos a todos!
Por Briann Ziarescki Moreira