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Coluna | Era Sol que me faltava | Sentimentalismo público: O difícil exercício de calar

Coluna Era Sol Que Me Faltava - Foto: Solange Kappes/ Barriga Verde Notícias

Calar sentimentos e emoções é um dos maiores desafios da atualidade. Me recordo de um episódio em que na Unidade de Saúde onde trabalho, uma paciente não conseguiu retirar os remédios que desejava, de imediato, deixou que todos soubessem da sua raiva gritando de modo que não passasse despercebida. Sim, controlar nossas emoções em público tem estado fora de questão, não importando a possibilidade de gerar arrependimentos ou de agredir alguém.

Nosso tempo, fortemente demarcado pelo devassamento da vida privada, nos oferece um universo de pessoas que não sabem mais lidar com nenhuma questão emocional internamente. Tudo precisa ser publicizado e exposto, especialmente os eventos trágicos ou de sofrimento, para que os compadecidos possam se anunciar, sentir especiais e representados. Mas há um alerta a ser feito, o sentimentalismo público em excesso tem um potencial de violência muito grande. Afinal, caso os emocionados se deparem com alguém que não queira expor seus sentimentos, ou então, com alguém que fique indiferente, a intolerância e a condenação serão veementes.

“O sentimentalismo é a expressão da emoção sem julgamento”, assim descreve Theodor Dalrymple. Como se fosse dispensável refletir sobre aquilo que oferecemos aos outros, como se só houvesse veracidade e autenticidade se a expressão do que se sente for fervorosa. Ou seja, ser emocionado diante de tudo, compadecer-se do mundo, verter lágrimas em público ante tragédias – que evidentemente tem um sentido diverso de chorar em casa sozinho – tomar partido de um ativismo da moda, defender causas nobres publicamente, trata de uma grande infantilidade. Isso mesmo, ser extremamente emocionado em geral é cego, quem é sentimentalista demais não cogita que pode errar e pensa que o mal é sempre só mal e o bem é sempre só bem. Daí os imaculados de bem totalmente intolerantes.

Hoje, querer resguardar suas emoções e sentimentos é mau, é mal visto e mal interpretado. Ou se pensa que o sujeito tem problemas psicológicos que acabarão resultando em uma psicopatologia que irá destruí-lo por não “botar pra fora” tudo que sente, ou é psicopata, ou ainda, é considerado um traíra, por não querer se expor ou se posicionar. Não é mais possível querer ter privacidade, não querer expressar suas emoções em público e muito menos querer fazer algum sigilo de sua vida (ao menos não é possível sem cultivar algum bando de xeretas ou haters).

Expressar tudo que se sente, na intensidade que se sente ainda não produziu seres humanos melhores, nem pessoas mais capazes de lidar com seus sentimentos e emoções. Tornar tudo público é se escravizar e depois queixar a escravidão da exibição em um show de autocomiseração. Sentir pena de si e querer que os outros também sintam é reflexo do vitimismo que também marca nosso tempo.

Para concluir, sei que é indispensável afirmar a importância da comunicação e da expressão do que se sente, mas isso também não dispensa esforços internos que devem ser desprendidos e não significa que o mundo precise saber o que sinto em relação a tragédia que aconteceu no trânsito semana passada, ou com o animal que foi envenenado na minha rua. A falta de plasticidade psicológica é resultado de gerações mimadas, vitimistas e sentimentalistas, com uma visão romântica de um futuro em que o mundo seja bom e livre de sofrimentos.

“Um sentimentalista é simplesmente uma pessoa que deseja possuir o luxo de uma emoção sem pagar por ela” Oscar Wilde. Para que pensemos.

Solange Kappes
Psicóloga CRP 12/15087
E-mail: psicologasolangekappes@gmail.com
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