A Bel me chamou para tomar café e conversar sobre meu livro. O fez dizendo: “Amei teu jeito de escrever, concordei com muita coisa do que você escreveu, mas algumas outras, não, quando você tiver tempo, vamos falar sobre”.
Nossa, isso me fez mergulhar em um instante de alegria. Primeiro por não concordar comigo em tudo, lembro de ter respondido: “Fantástico, se não concordou em tudo, teremos sobre o que conversar”, e segundo por interessar-se verdadeiramente em partilhar seu tempo comigo. Me fez relembrar de Nietzsche uma vez mais, quando ele escreveu: “Não me tire de minha solidão se não estiveres disposto a me oferecer tua real companhia”. Sentamos e conversamos.
As discordâncias foram desde concepções diversas acerca da vida, sobre viver com direções ou aceitar construir as próprias, até largas diferenças espirituais e de crenças. Mas foi uma ocasião de conversa tão potente, tão prazerosa, que foi difícil conter o desejo de falar e ouvir por horas a fio. As aproximações de pensamento aconteceram quando o assunto foi a necessidade de encarar a realidade, com todos os seus contornos e nuances, especialmente com todo peso de existir.
Um existir permeado de sofrimentos e eventos entristecedores. Nesse sentido, eu e a Bel pensamos parecido, não consideramos que a vida seja só floração, cor e aroma, mas também, seca, recolhimento, pequenas mortes que vem para abrir espaços para outros começos.
“Me fala um pouco mais de você, da tua história”, vibrei outra vez! Pode parecer pouco, mas significa tanto em um mundo onde interessar-se genuinamente pela vida de alguém é muito raro. Além disso, em geral sou eu que faz este tipo de pergunta e me proponho a ouvir atentamente. O contexto terapêutico exige uma inclinação, uma abertura honesta na direção da vida do outro, mas em razão do meu papel de terapeuta, não me permite ter o mesmo ouvido em troca; isso buscamos nos amigos.
O termo “flacidez psicológica” deu pano para manga, falamos da diluída sensação de fragilidade ante a vida, sobretudo nas pessoas mais jovens, em que a crescente redução da capacidade de enfrentamento das questões cotidianas se evidencia com toda força. Isto sobretudo em razão da pouquíssima disposição para aceitar a vida como ela é, em detrimento de ideais muito rígidos sobre o que a vida deveria ser. O que acabamos por esquecer é que as virtudes se fazem em terrenos que lhes são hostis. Ou como dizem os ditados: “Mar manso não faz bom marinheiro” ou ainda “É no calor, no fogo, que se forja uma espada”.
Mas eu não só pude falar, como também ouvir. Ouvi sobre amores, sobre infância, sobre espiritualidade, sobre o desafio de empreender, sobre família e filhos, sobre hábitos, entre outros. Receber a história de alguém é como ter nas mãos um relicário, que exige cuidado, respeito e que guarda uma preciosidade com a qual se pode aprender algo.
Para mim, desta ocasião de conversa, reverbera uma sensação de coragem e de agradecimento que me remete a explicação do professor Clóvis de Barros Filho sobre a felicidade, quando afirma que ela está presente naquela ocasião de vida, naquele instante em que temos a sensação de que poderia durar um pouco mais, aquele que lamentamos quando termina.
Lamentei o fim daquela conversa como lamento o fim destas linhas. Ambas me fizeram feliz, e em ambas sei que existe a possibilidade de muito mais.
Solange Kappes
Psicóloga CRP 12/15087
E-mail: psicologasolangekappes@gmail.com
Redes sociais:www.facebook.com/solange.kappes | Instagram: @solangekappes
A opinião dos colunistas não reflete necessariamente a visão do veículo.