O “Leito de Procusto”
Durante o final de semana, estudando Nietzsche, encontrei em uma dissertação à respeito da compreensão do filósofo sobre corpo, saúde e medicina, a expressão “Leito de Procusto”.Confesso que jamais havia ouvido. Pesquisando, descobri que Procusto trata-se de uma personagem da Mitologia Grega, ao que consta, o nome em si significa “aquele que estende”. O mito refere que Procusto era um famoso assaltante que agia entre as cidades de Mégara e Atenas, atacava aos viajantes, despojava-os de seus bens e, depois, os submetia a suplícios muito cruéis. Forçava seus reféns a deitarem em sua cama, que era de ferro e contava com seu exato tamanho. Como o leito nunca era de igual tamanho ao do refém, Procusto os ajustava ao tamanho da cama, cortava as pernas daqueles que excediam o tamanho e, por intermédio do uso de cordas, esticava os que os que não atingiam.
Destarte, a expressão “Leito de Procusto”, quer referir a necessidade que temos de medir o outro por intermédio do nosso parâmetro. E, como se já não bastante apenas avaliamos as condutas dessa forma, estamos também sempre instrumentalizados para cortar ou esticar o outro. Caso contrário, temos extrema dificuldade em aceitar a convivência. Chega a ser risível, em tempos que os discursos de tolerância, permissividade e liberdade, se fazem cada vez mais presentes, agimos de modo a recusar o diverso. Sempre aquele distanciamento abismal entre o dito e o feito.
Fazendo o movimento de trazer essa expressão e seu significado para a ciência em que eu atuo, a psicologia, enormes provocações brotam uma atrás da outra. Nossa atuação profissional se dá diretamente sobre a saúde e subjetividade das pessoas que atendemos. É preciso demandar de extremo compromisso ético, e qualificação constante, para que tenhamos a chance de nos distanciar de práticas amputadoras ou esticadoras.
Especialmente em saúde, cada vez mais os sujeitos querem e esperam que as respostas de tratamento venham prontas e simplificadas, para que haja uma imediata redução da dor, do sofrimento e da enfermidade, sem precisar oferecer o esforço de adaptação de seus hábitos e valores na “troca” do processo de “recuperação” da saúde. É sim, está tudo errado.
Em um processo de retroalimentação, onde oferecemos “Leitos de Procusto” na forma de tratamentos de saúde, nossos pacientes/clientes esperam que assim seja e, dessa forma, o arrefecimento da capacidade de resposta é inevitável. Anestesiamos a realidade, nossos sentimentos e pensamentos por intermédio de medicamentos, entregamos de bandeja nossa autonomia sobre o cuidado de nós mesmos e ainda queixamos, constantemente, da ineficácia dos tratamentos à que nos submetemos. O que não deixa de ser um fato, afinal, tudo que enfraquece nossas sensações e anestesia as dores, não tem potencial para tornar-se uma nova resposta, espontânea e criativa à doença.
Procusto acaba assassinado por Teseu, que lhe impôs igual martírio ao que ele imputava aos viajantes. Trata-se de mitologia, vogo que na realidade, em algum momento de lucidez, percebamos que não devemos esperar por heróis que nos libertarão das nossas própias mazelas.
Caloroso cumprimento e até semana que vem!
Psicóloga CRP 12/15087
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