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Coluna | Era Sol que me faltava | O erotismo nos tempos do Eu!

Coluna era sol que me faltava - Foto: Solange Kappes/ Barriga Verde Notícias

O erotismo nos tempos do Eu!

Eros, na compreensão grega, corresponde ao amor em forma de desejo, aquela força desejante que habita em nós. Em psicanálise, Eros nomeia um conjunto de pulsões da vida. Associado ao erotismo, ao tesão, às paixões e impulsos sexuais. Brevemente situados, hoje trataremos do adoecimento do Eros, do seu enfraquecimento, amolecimento e de sua agonia. 

Os tempos modernos são fortemente caracterizados pelo arrefecimento das relações, redução das experiências estéticas para meros e ‘lisos’ contatos virtuais, cisma com a aniquilação da negatividade e eliminação do diferente, obsessão pelo trabalho, sucesso, rendimento, desempenho, “por ser sempre sua melhor versão” e por um narcisismo irrefreável. Nesse contexto, qual é o espaço que resta para o amor ou para o erotismo? Ambos tratam da indispensabilidade do outro e de sua alteridade. No entanto, estamos seduzidos pela individualidade, pela “liberdade” e pelo investimento em si, como se fossemos CEOs de nós mesmos. Assim, aniquilamos o Eros.

O erotismo ou o tesão, jogam intimamente com uma questão de poder, e disso temos muito medo, afinal, nos entregarmos ao outro e lhe conferir poder sobre nós nos deixa apavorados. Isto talvez se deva à tênue linha que se estende sobre o que achamos que são abusos, violências, submissões ou coerções e aquilo que é natural e parte de um jogo de forças nas relações sexuais e amorosas. 

Nosso positivismo quer eliminar a negatividade das nossas vidas sexuais, a questão é que isso nos broxa. Sim, broxa mesmo, tesão e sexo pressopõe um embate, um tensionamento, uma tentativa de buscar o interditado, de invadir o restrito, é uma circulação de forças que hora dominam e hora se deixam dominar. Centrando o poder em um único, de forma absoluta, o desejo fracassa, o calor esfria e o tesão amolece. 

A exploração do outro, seu corpo, suas reações, seu gozo não alcança mais uma verdadeira experiência do outro, a fixação no próprio desempenho, na própria durabilidade é regida por uma autocobrança que tem feito adolescentes e jovens rapazes usarem viagra para “garantirem-se”. Existe um pânico em correr riscos, o que por si só gera uma contradição enorme, já que sexo não é sexo sem riscos.

Interpenetra a questão da frouxidão sexual a falta de distanciamento e afastamento do outro. um outro que está sempre disponível, sempre visível, sempre acessível, por intermédio das redes inclusive, nos atira em um desvelamento, uma exposição e um ‘alisamento’ constantes, nos torna pornográficos e acaba com toda capacidade de imaginação, que é outro fator indispensável para o erotismo. 

Estamos em um processo de domesticação do nosso tesão, transformando-o em uma fórmula de consumo das aparências e livrando-o dos riscos, da ousadia, do delírio e dos excessos. Que sexo é esse? Não se pode sofrer, não pode acontecer nada negativo, não se pode transgredir, que graça há nisso? O poder do erótico está justamente em perder-se de si, perder-se no outro e aguardar que ele nos devolva. 

O viver exposto é o exato contraponto do erotismo, do tesão. Quando tudo é postado acontece uma pornografização do eu, isto retira toda força de atração, causa uma antecipação que o filósofo  Byung-Chul Han, que inspira estas linhas, chama de ‘sexo morto’. Afinal, não existe naquilo que está exposto uma possibilidade de escolha ou de separação por parte de quem irá nos acessar. É obvio que o desejo fica frouxo e quando não há muito a ser explorado ou descoberto no outro, sua imagem nos é puramente masturbatória. 

O erótico não é, e não pode ser, desprovido de mistério, a exposição aniquila justamente o oculto, torna tudo obceno e produto ou mercadoria. Além disso, na internet em que tudo é ilimitado e acessível à um clic, não resta espaço para a imaginação, mas criam-se fantarias sobre o que o sexo não é.

Sem tesão, sem sexo, sem erotismo, resta ao ser humano trabalhar e trabalhar. 

Caloroso cumprimento e até semana que vem!

Solange Kappes
Psicóloga CRP 12/15087
E-mail: psicologasolangekappes@gmail.com
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