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Coluna | Era Sol que me faltava | Existe cura em psicoterapia?

Coluna Era Sol Que Me Faltava - Foto: Solange Kappes/ Barriga Verde Notícias

Sim e não, depende. Não, se a compreensão de cura perpassar pela subtração de sinais e sintomas até o reestabelecimento de um estado anterior de equilíbrio, ou, como descreve o dicionário, reestabelecer a saúde debelando a doença. Sim, se curar corresponder a capacidade de criar novas formas de viver, ser, estar e se satisfazer no mundo, porém não livres de sofrimento.

Em Cartas a um jovem terapeuta – sim ainda me considero jovem terapeuta – Contardo Calligaris escreveu que a cura psicoterapêutica não funciona como uma extirpação cirúrgica que remove um cisto e posteriormente devolve o sujeito livre do problema anterior. No entanto, a psicoterapia oportuniza uma experiência capaz de transformar e sim, pode-se sair dela sem o sofrimento que levou a ela, mas não sem sofrimentos. Nunca viveremos sem dores, viveremos com dores diferentes.

Uma cura total é impossível quando falamos de subjetividades. E mesmo que fosse possível, seria extremamente problemática. Afinal, são justamente os desconfortos que nos movimentam, nos fazem querer ir para outro lugar, experimentar outras possibilidades. A cura total aniquila nossa força revolucionária.

Na busca de tecer conexões com as ideias de Calligaris, rememorei Michel Foucault, em A Hermenêutica do Sujeito. Gosto de pensar em Gnôthi Seautón, Epimeléia Heautoû/cura sui, como dispostas, conectadas e interpenetradas com a proposta de cura em psicoterapia. Quando Foucault utilizou os termos acima, explicou-os da seguinte forma: Gnôthi Seautón, com a tradução de “Conhece-te a ti mesmo”, a prescrição délfica que inaugura a eterna reflexão sobre o sujeito e a verdade. A busca de examinar em si mesmo aquilo que temos a precisão de saber.

Epimeléia Heautoû com a tradução de: “Cuidado de si” ou em latim Cura sui, como uma cura de si. Ocupar-se verdadeiramente de si, preocupar-se consigo, olhar para si mesmo, ter atitude para consigo. Em suma, o exercício de conhecer a si, cuidar de si corresponde a um curar a si.

A Cura sui, como um dos objetivos da psicoterapia, carrega a necessidade de uma atitude do sujeito para consigo mesmo, a construção de um certo modo de encarar a realidade, as coisas, o estar no mundo e as relações. Ou seja, é mais do que fazer só por si, é ter atitude para consigo e para com o mundo. É também, uma forma de oferecer uma atenção, um olhar que carregue a exterioridade para a nossa interioridade – exteriorizando o interior – vejam que complexo.

Cura inclui estar atento ao próprio pensar e sentir com alguma finalidade de elucidar algo. Sobretudo, é indispensável agir! Um agir contaminado pelo tanto que conseguimos assumir de nós mesmos. Assim, a ação se transmuta em modificação, em transformação, em criação. A cura em psicoterapia é, antes de mais nada, a capacidade de criar a vida.

 

Solange Kappes
Psicóloga CRP 12/15087
E-mail: psicologasolangekappes@gmail.com
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