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Por que paramos de ser vigilantes e como superar isso?

Se você descobriu que não está mais desinfetando suas mãos com tanta frequência ou se tornando mais relaxado com viagens desnecessárias para fora de casa, você não é único.

Esse fenômeno não intencional é a “fadiga do cuidado” – e você deve culpar seu cérebro por isso. Você provavelmente estava vigilante desde o início da pandemia, sempre procurando formas de garantir que não fosse infectado pelo coronavírus ou infectasse outras pessoas.

A ameaça era nova e urgente para o seu cérebro. Motivado pelo instinto humano de autopreservação, um novo medo o motivou a seguir avidamente as precauções de segurança recomendadas.

Passados três meses, essa sensação de imediatismo pode ter desaparecido. A fadiga do cuidado “ocorre quando as pessoas mostram baixa motivação ou energia para cumprir as diretrizes de segurança”, disse Jacqueline Gollan, professora de duas cadeiras na Faculdade de Medicina da Northwestern Feinberg University: uma em psiquiatria e ciências comportamentais e outra em obstetrícia e ginecologia.

“Isso acontece quando ficamos impacientes com os alertas ou deixamos de acreditar que os avisos sejam reais ou relevantes. Ao fazer isso, alteramos as regras ou interrompemos os comportamentos de segurança, como lavar as mãos, usar máscaras e fazer distanciamento social”, acrescentou.

A fadiga do cuidado é observada em situações da vida cotidiana ou anterior, como quando você ignora algum tipo de alarme e não o leva a sério porque já o ouviu antes. Esse estado mental ocorre por alguns motivos, incluindo estresse crônico, diminuição da sensibilidade a avisos e incapacidade de processar novas informações com outras pessoas.

Você pode combater esse cansaço da quarentena com autocuidado, conversando com entes queridos e mudando sua mentalidade para que o ato de seguir as orientações pareça gratificante em vez de terrível.

Adaptação às ameaças

De acordo com a professora Gollan, o cansaço com os cuidados pode resultar de uma sensibilidade reduzida a avisos repetidos.

A amígdala, a região do cérebro que registra o medo, é ativada quando vemos ou ouvimos uma ameaça (ou informações sobre a pandemia). Quando nossos cérebros percebem ameaças, o medo é comunicado a todo o corpo pelos hormônios do estresse e do sistema nervoso simpático ou por nossa reação de lutar ou fugir.

“Portanto, a amígdala é importante porque determina a gravidade relativa da ameaça”, explicou Gollan.

Depois que o sistema de alarme do cérebro dispara, o corpo se prepara para resolver a ameaça e responder a perguntas como: “Será que compro mais mantimentos hoje?” ou “Devo me encontrar com esses amigos?”. Em seguida, entra em ação o hipocampo, que está conectado à amígdala, e o córtex pré-frontal, que ajuda o cérebro a avaliar se uma ameaça é real ou não, como esclareceu a professora.

“Eles [hipocampo e córtex pré-frontal] basicamente ajustam o contexto de como a limpeza inicial dos mantimentos era importante, mas agora nem tanto. E acionam o freio, para diminuir o medo da reatividade da amígdala”, observou Gollan.

“Nesse momento, a parte da frente do cérebro, dedicada ao pensamento, diz: ‘Ei, emoções. Está tudo bem. Você não precisa fazer isso agora’. São processos que usamos para criar uma sensação de controle”, explicou.

Essa percepção do controle como uma maneira de gerenciar ameaças pode deixá-lo mais confiante sobre as coisas que antes o assustavam, porque agora você acredita que está seguro. Pense num filme de terror: ao assisti-lo pela segunda ou terceira vez, ele não será tão assustador quanto foi na primeira.

“As pessoas podem criar um contexto que diz para elas que algo não é importante, já que elas não veem ninguém doente ao seu redor.

Não sabem o que está acontecendo, então por que prestariam atenção a isso? Portanto, elas podem assumir um senso de confiança ou uma percepção de controle para enfrentar situações que são mais arriscadas do que parecem”.

Nossos cérebros ajustam a percepção dos alarmes para reduzir o estresse, de modo que leva mais tempo para responder ao aviso ou nós o ignoramos. Daí começamos a desinfetar algumas compras, mas não todas, ou apenas lavar as mãos ocasionalmente.

Sobrecarga de informação

De acordo com Eric Zillmer, professor de neuropsicologia da Drexl University, na Pensilvânia, a fadiga do cuidado também vem dos desafios cognitivos.

“Quase todo o país está sendo confrontado com uma situação ambígua e complexa de solução de problemas”, afirmou. “Nunca passamos por algo assim, por isso é ambíguo.”

A maneira com que o cérebro processa novos detalhes agora é mais difícil, porque o método para obtê-los é principalmente digital. Por causa do isolamento social, não podemos confiar na região do cérebro que nos ajuda a contextualizar as informações processando intuição ou sugestões sociais. Aprender com as pessoas nos ajudaria a processar e reforçar positivamente os comportamentos responsáveis.

Estamos tentando gerenciar informações novas, concorrentes e onipresentes que ainda não internalizamos. E o quadro só complica com regras que mudam o tempo todo e fases de reabertura diferentes nos níveis federal, estadual, local e pessoal. Ou com o fato de que realmente a gente nem goste de regras, para começo de conversa.

Também não tivemos tempo de transformar práticas de segurança em hábitos. Como nosso cérebro gosta de consistência, todos esses fatores podem tornar exaustivas as diretrizes a seguir.

O excesso de informações pode dificultar a leitura adequada do ambiente para entender o que é uma ameaça real e se você está fazendo o suficiente para resolvê-la.

Reduza a sobrecarga de informações lendo apenas informações relevantes e confiáveis de algumas fontes para obter um ponto de vista equilibrado sobre o que fazer.

Transforme práticas de segurança em hábitos, definindo pistas visuais – por exemplo, coloque sua máscara em uma mesa ao lado da porta para se lembrar de colocá-la antes de sair.

O processamento social é imperfeito no momento, mas pode ajudar a conversar com familiares e amigos sobre o que eles pensam e o que faz sentido para todos.

“Então, quando você é confrontado com a situação que precisa resolver, tem muito mais opções em sua caixa de ferramentas”, disse Zillmer.

Reduza seu estresse

Ansiedade e depressão aumentadas ou recém-surgidas podem fazer você se sentir sem esperança ou esgotado.

Com o desemprego e as discussões familiares em ascensão, o aumento do estresse leva a mudanças na forma como nossos cérebros funcionam e como nos comportamos.

“Se eu tiver que sair e sobreviver, talvez preste menos atenção à minha saúde e às precauções de segurança, porque não estou focado nisso”, opinou Gollan.

O estresse também facilita o esquecimento das coisas. Mesmo que haja uma chance de adoecer, estar muito exausto pode afetar nossa memória em situações difíceis, pois isso exigiria esforço.

“Decisões complexas exigem muita energia e podemos nos cansar ao tomar decisões sobre quais riscos valem a pena correr em relação às recompensas que recebemos”, afirmou Gollan.

Reduza o estresse praticando o autocuidado: quando puder, exercite-se, prepare uma refeição quente para si ou medite.

Trabalhe com os valores que ajudam você a se sentir bem consigo mesmo, disse Zillmer. Sentir-se bem é incompatível com ansiedade e tristeza, o que pode causar a fadiga do cuidado.

Mude sua mentalidade

Normalmente, não é possível reproduzir os instintos iniciais de sobrevivência que surgiram no início do surto de vírus, já que estamos bem além da primeira onda de conscientização. Portanto, tomar decisões mais inteligentes também envolve reorganizar a maneira como você percebe o risco e a recompensa, para que as precauções de segurança não pareçam mais terríveis.

O medo não é mais a motivação, então você precisa de outra fonte de inspiração.

Pergunte a si mesmo: “Que recompensa recebo pelas escolhas que faço em relação ao que estou desistindo?”

Talvez a recompensa seja sua saúde ou, altruisticamente, a saúde de sua família e de outras pessoas. Ou que você tenha dominado a arte de permanecer em segurança durante a pandemia.

Descobrir como manter a rotina normal com segurança pode dar ao seu cérebro outra coisa para controlar, além de limitar suas reações a ameaças. E, dessa maneira, continuar se sentindo no controle de sua saúde.

 

Fonte: CNN Brasil