A suspensão do Censo Demográfico, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), poderá deixar os municípios brasileiros “no escuro”, segundo especialistas ouvidos pelo G1. Eles afirmam que faltarão dados e referências para comprovar se as políticas aplicadas nos últimos 10 anos surtiram efeito, e apontam que não haverá informação para formular ações para o futuro.
O Censo é uma pesquisa realizada a cada 10 anos pelo IBGE. O levantamento faz uma ampla coleta de dados sobre a população brasileira e permite traçar um perfil socioeconômico do país.
O caráter “censitário” da pesquisa significa que uma parcela significativa da população seria ouvida, diferente das pesquisas por base amostral, com uma parcela da população.
- Nos dados sobre educação, o Censo mapearia o analfabetismo, indicando quantas pessoas não sabem ler em cada bairro, por exemplo.
- Também captaria informação sobre a escolaridade, cruzando dados com a idade da população, indicando quantos adultos em cada cidade não concluíram os estudos.
- Além disso, poderia apontar o número de crianças fora da escola, indicando a demanda de vagas por creches.
- Sem o detalhamento, o país fica sem saber onde estão os 69,5 milhões de adultos acima de 25 anos que não completaram a educação básica em 2019. O número representa 51,2% da população adulta.
- Também não é possível detalhar onde estão os 11 milhões de brasileiros acima de 15 anos que não sabem ler e escrever. Os números são de outra pesquisa do IBGE, a Pnad Educação, feita anualmente. A mais recente foi divulgada em julho de 2020, com dados de 2019.
Municípios ‘no escuro’
Joice Melo Vieira, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que, sem o Censo Demográfico, as cidades ficarão “no escuro” pela ausência de dados.
“Deixar de realizar o censo demográfico deixa basicamente as municipalidades no escuro. O Censo Escolar, por exemplo, que é feito pelo Inep [órgão vinculado ao Ministério da Educação] só capta quem está no sistema e é um registro administrativo, feito por secretários das escolas. Não há informações sobre renda da família do aluno, a declaração sobre raça e cor é bem precária e, muitas vezes, não é preenchida”, afirma.
Para André Lázaro, da Santillana, haverá consequências para a falta de dados. “A ausência de um Censo neste início da terceira década do século 21 traz graves e nefastas consequências para o país e pune com mais severidade a população mais pobre”, afirma.
“Indicadores educacionais demandam o trabalho meticuloso, distrito a distrito, para que seja possível identificar as condições objetivas das desigualdades brasileiras, que são muitas. A negação da realização do Censo Demográfico demonstra uma falta de apreço à própria população brasileira.”
Lucas Fernandes Hoogerbrugge, líder de Relações Governamentais na organização Todos Pela Educação, compara a suspensão do Censo à navegação sem instrumentos. “A gente navega em um mar sem visão. Não sabemos onde estamos indo”, compara.
Ele destaca que o Censo traz informações mais consolidadas com informações sobre a família, a residência, além da vida escolar – e tudo isso ajuda a definir as políticas públicas de educação.
“Além disso, não vamos saber uma série de dados educacionais que vão me permitir dizer se fizemos a política certa nos últimos 10 anos”, analisa.
“Vamos ficar só com dados amostrais, em que os estatísticos acabam fazendo projeções, que precisam ser calibradas de tempo em tempo. O Censo não precisa disso. Mas sem ele, hoje estamos no escuro, não vamos saber dados por município e isso atrapalha o planejamento da expansão da oferta da educação infantil”, afirma.
Fonte: G1