Poucas coisas ofendem tanto um heterossexual que adora publicizar sua virilidade e dominância, do que sugerir que ele pode ser homoafetivo recalcado ou reprimido. Me recordo de ocasiões em que, talvez até por certa diversão maquiavélica, eu sentava na presença de colegas que só falavam de mulheres, carros e futebol, e sugeria que aquele era um tipo de amor sublime e elevado, a capacidade de sentirem-se tão bem uns com os outros, partilhar tão intimamente e tão alegremente de um modo que jamais concebem fazer com a própria esposa. No íntimo, eu me deleitava rindo da preocupação que se passava em seus olhares e da imediata necessidade de afirmarem-se machos.
Diverti-me recordando destas cenas ao ouvir um PodCast com participação do professor Leandro Karnal, em que ele afirmou: “A maior parte dos homens heterossexuais são homoafetivos, eles querem a mulher para o sexo, mas a conversa legal é com o amigo e dizem com frequência que a mulher é chata”. No consultório, são frequentíssimas as vezes em que clientes mulheres queixam da ausência do companheiro, que não sabe integrar-se à família, que sempre se envolve em atividades que sejam só para os homens, jogar futebol, ir ao bar, pescar ou o que quer que seja. A mulher é e continua sendo o objeto de desejo erótico destes homens, no entanto, o afeto é cultivado entre iguais.
Ao que consta, apenas cito porque desconheço os estudos, mas há uma filósofa e pesquisadora americana chamada Marilyn Frye, que estuda – isto que ela afirma como um fato – a cultura heterossexual como sendo homoafetiva. Se pararmos para pensar, é verdadeiramente raro encontrarmos casais que se conectam de tal modo que a afetividade e a intelectualidade caminhem em proximidade com a sexualidade, ou então, que estejam factualmente pautados sobre a admiração, o respeito e o afeto.
Quando entre eles, homens sentem-se mais livres, bebem, riem, jogam, falam sobre quase tudo – com ênfase para este ‘quase’, afinal, este “tipo” de hétero não têm muita tolerância para falar de sentimentos, emoções ou vivências de sofrimento, isto é, como possivelmente diriam: “coisa de gay ou mulherzinha”. Agora, colocando-se este espécime ao lado da esposa ou namorada, a seriedade toma conta, até certa feição de tédio, brota uma preocupação com o celular e uma ocupação com a televisão que torna o homem quase um autista. Da companheira, espera quase que exclusivamente uma servidão maternal e sexo (complicado é para a mulher conseguir ter tesão em alguém que é quase um filho).
Queria poder dispensar este parágrafo, mas como vivemos tempos chatos em que tudo é altamente ofensivo e pessoal. Finalizo esclarecendo que aqui não há generalizações e que apenas desejo lançar percepções. Última questão para concluir, se por algum acaso vier a sentir-se ofendido, sugiro que pense que ferida interior estas linhas tocaram. Ofender-se com o que quer que seja significa sempre que um ponto crucial do nosso Eu foi tocado.
Solange Kappes
Psicóloga CRP 12/15087
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